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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Existem brechas no reacionarismo


No dizer da historiadora Mary Del Priore, diariamente juntamos as pequenas coisas do cotidiano e rápido esquecemos, não desejando modificar, discutir, como se fosse tudo simples e evidente1. Assim fazemos muitas vezes ao assistir um telejornal, uma novela, um filme, dentre diversas outras produções sem nos darmos conta e nem de relance passar por nossas cabeças interesses ocultos.
As emissoras de televisão fazem de seus agentes propagadores de dogmas sociais pertencentes a pequenas elites, com interesses interligados na busca da perpetuação de hegemonias reacionárias e exclusão de uma maioria. Aqui volto-me rapidamente para um episódio “ficcional global” que merece alguns parágrafos sobre o que pode não está explicito.
A Rede Globo de Televisão desponta-se, e isso de forma inquestionável, como uma das mais competentes em divulgar seus pensamentos, da forma mais atraente e dissimulada possível. Seu anseio pela permanência de seu poderio social faz-se de várias formas e feitio, desde os primeiros noticiários do dia, passando pelos programas de auditório, novelas, até finalizar com as “notícias mais importantes”.
É ingênuo imaginar que qualquer programa que a Globo leva até nossas casas, de menor duração que seja, não passe por um potente e eficiente crivo ideológico. Cada segundo é cuidadosamente pensado e analisado por seus mentores, seus agentes ferrenhos e muito bem remunerados. No entanto, esses delegados de confiança possuem um grau de liberdade proporcionado por suas funções.
Para melhor explicar a última afirmação, peço licença ao leitor que ainda não desistiu do texto para contar uma rápida história. Três amigos passam a infância juntos, dois formam um casal claro e de olhos belos, e o outro fica com as mágoas da rejeição de um amor velado. A história desenrola-se com incertezas, tramas e dores que a vida de qualquer um possui. A dupla casa-se, e na festa matrimonial deparamo-nos com Fernando Anitelli, vocalista da banda O Teatro Mágico acendendo ainda mais os ânimos.
Concordo com o leitor sobre a superficialidade do contado e a inexistência de algo anormal ou inédito em tal narrativa que possa atrair maiores reflexões, até mesmo por tratar-se de uma síntese em poucas linhas sobre uma novela da Rede Globo. A trama a que refiro-me é Flor do Caribe, que fechou seus trabalhos no dia 13 de Setembro de 2013 ao som de um grupo que aos poucos ganha crédito basicamente através da internet. A aparência de normalidade torna-se perpétua se informações novas não forem dadas. Mas isso cabe ao parágrafo seguinte.
O conjunto O Teatro Mágico ganha autoridade entre os brasileiros devido seu perfil traçado na música nacional. Menos por escolha que por necessidade de sobrevivência, a banda fez-se uma dos mais algozes críticos da indústria musical, denunciando através de redes sociais e shows a inacessibilidade das gravadoras, não bastando competência sonora, mas laços um tanto menos profissionais. Espanta-me tal representante da música independente ter vez novamente em uma novela global – a outra foi Viver a Vida, ambas escritas por Walther Negrão.
 
Não parece-me haver dúvida que tal participação é no mínimo inconveniente para as gravadoras e seu modelo tradicional, que são patrocinadoras da programação global e intimamente presentes nos investimentos da família Marinho. Somente sou capaz de chegar à uma conclusão: os tentáculos reacionários, tão ajustados conforme interesses e ambições, possibilitam ainda assim uma margem de liberdade à seus agentes, no caso, Walther Negrão, assim como – perdoem-me o nível da comparação – os trôpegos poderes públicos em sua burocracia quase falida.
Lógico que podemos conjecturar explicações mais simples para tal fato. Passemos então a duas delas. O horário da aparição deve ser levado em consideração: final de tarde para início de noite, os níveis de audiência não são exorbitantes, portanto, a aparição não mostra-se muito perigosa como se ocorresse em horário nobre. Ou talvez possamos levar em consideração a frequente tentativa de organizações que representam o que de mais há de conservador em tentar transmitir ares progressistas e revolucionários.
Para a última possibilidade apontada, outro ponto chama atenção. O cenário independente da música brasileira está crescendo rapidamente, propiciado em grande parte pela internet, com diversos artistas conquistando público e renome, por que justamente um dos que marcam presença no batalhão de frente contra a indústria musical conquisto a oportunidade, se existem tantos outros bem mais discretos?
É inegável que tais aparições - duas novelas e uma no programa "Encontro com Fátima Bernardes" - devem-se a um conjunto de fatores que a isso propiciaram, inclusive a construção de uma falsa abertura dentro das organizações hegemônicas. Mas é necessário destacarmos a existência, dentre as linhas ideológicas que buscam a manutenção das desigualdades, de algumas escassas vozes de “libertação” e autonomia. Para juntar-se à minha fala, compartilho algumas linhas escritas pelo historiador Giovanni Levi:
Assim, toda ação social é vista como o resultado de uma constante negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma realidade normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas possibilidades de interpretações e liberdades sociais. A questão é, portanto, como definir as margens – por mais estreitas que possam ser – da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos sistemas normativos que o governam.” 2

É verdade que cada cena de novela, de qualquer emissora de televisão que seja passa pela censura cuidadosa de delegados “fiéis” a dogmas superiores, porém, também é ingenuidade acreditarmos que o que nos chega, além de pensamentos dos reacionários seniores, são também manifestações individuais e independentes, algumas vezes conflitantes com seus provedores, alcançando-nos através de ambiguidades e imperfeições existentes em toda forma de poder.
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1PRIORE, Mary Del. História do Cotidiano e Vida Privada. In: Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia / Ciro Flamiron Cardoso, Ronaldo Vainfas (Org.) Rio de Janeiro: Elsevier, 1997 – 19° Reimpressão. Pág. 259
2 LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-história. In: A Escrita yda Históri: novas perspectivas / Peter Burke (org.) tradução de Magda Lopes – São Paulo: Editora UNESP, 1992. PP. 133-162. Pág. 135

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Theatro 4 de Setembro: Esboço histórico em ato único


A cidade de Teresina nasceu em meados do século XIX para servir de sede para o governo da Província do Piauí, sua construção em si era um espetáculo ousado e arriscado. Com as repartições públicas e seus funcionários estrearam na nova capital as primeiras ousadias artísticas, sendo fomentadas principalmente pela “elite”, com raras exceções.
Já nos fins da década de 1880 era frequente a prática do teatro e manifestações culturais em casas particulares, observando-se a existência de dois teatros: 24 de Janeiro e Concórdia. Porém, a existência desses parecia não suprir os anseios sociais, levando a pressões pela construção de um teatro público (QUEIROZ, 2008. P. 20).
Diante tais reações, em idos de 4 de setembro de 1889 um grupo de senhoras dirigiu-se ao Palácio de Governo para reivindicarem a utilização das verbas de socorros públicos na construção de um novo teatro para Teresina. Com a exigência acatada, a escolha do local tornou-se o problema da vez: uma parcela da sociedade defendia a edificação próxima a praça central – atual praça da bandeira – e outros querendo a “casa do capeta” distante da Igreja de Nossa Senhora do Amparo.
Apesar dos embates, o lançamento da pedra fundamental foi badalado, sendo destacada na imprensa a edificação que ocorreria diante a Praça de Aquidabã – atual Pedro II - como a aproximação do progresso e da civilização. Em mesma solenidade Ildefonso de Sousa Lima discursou, evidenciando a função social do teatro deveria ter:
“Um importantíssimo fato vem encher de júbilo os corações piauienses (...)
Trata-se, senhores (...) a construção de um teatro (...) O que é, porém, o teatro? É, disse-o alguém, uma grande escola que castiga o vício (...) é a grande escola que institui, que aperfeiçoa os costumes, que edifica pelo exemplo, que corrige os desvios da educação. (...) Queremos, portanto, senhores, o teatro, mas o teatro edificante, o teatro onde se combata o vício, se arraigue e exalte a virtude (...) a aversão ao vício, ao crime, a moral pura e sã como a pregou a grande vítima do Gólgota.Eis os meus votos.” (LIMA apud TITO FILHO, 1975. P. 32-35)
Pelas propostas de Ildefonso Lima, legítimo representante de uma parcela da elite, o teatro deveria ser uma escola combativa, em que nele somente se interpretasse os preceitos da moral, assim aperfeiçoando costumes de desviados e incivilizados. Com sua inauguração, em 21 de Abril do ano de 1894, tornou-se vitrine para os hábitos aceitos e prescritos pelos redatores dos jornais de fins do século XIX e início do XX.  Como símbolo dessa civilização e desse progresso do qual a cidade aproximava-se, os frequentadores do espaço deveriam saber se comportar, manterem distanciamento social, serem civilizados, saberem bater palmas na devida hora, pois aplaudir era mais que um feche, era uma arte (QUEIROZ, 1998. P. 19).
O Theatro recebera em suas primeiras décadas diversos grupos artísticos do mundo, lutas de boxe, conferências literárias e políticas, solenidades públicas e a chegada da modernizada, esta materializada nas primeiras projeções de imagens. Na década de 1930, depois de anos de encantamentos que o cinema provocou na sociedade, o local foi arrendado e transformado em Cine-Theatro 4 de Setembro.
O local é uma “testemunha” histórica para os que se voltam para o passado, tomemos como exemplo os meados do século XX, quando eram frequentes as críticas em relação às diversões existentes em Teresina, com os jornalistas não poupando críticas ao único teatro da cidade. Paschoal Carlos Magno, criador do Teatro dos Estudantes do Brasil, durante visita a Teresina, apresentou peças com seu grupo no teatro (TEATRO, 1952. P. 02) e assim adjetivou-o em fevereiro de 1952: parecia um estábulo, com buracos, um inferno.
Mudanças ocorreram em meados do mesmo ano, com uma pequena reforma: mudança do forro, portas, sanitários, e retirada dos camarotes que existiam no segundo piso (CAMPELO, 2001. P. 99). Pequenas mudanças que segundo Açí Campelo ocorreram devido a necessidade de o local acolher uma parte das comemorações do centenário da capital, porém, não podemos atribuir-la simplesmente a tal precisão de abrigo.
A reforma ocorrida não pode ser explicada de forma simplória, devemos enxergá-la nesse âmago dos anseios sociais. Esses reclames sociais pregavam a necessidade de um teatro e uma cidade moderna, educada e higienizada, como destaca Alcides do Nascimento (NASCIMENTO, 2009). A reforma teria sido antes de qualquer coisa, uma resposta para essas críticas.
Já durante o mandato de Alberto Silva (1971-1975) fora proposto a derrubada do velho casarão da Praça de Aquidabã e a construção, no mesmo local de um teatro novo e moderno. Mas em 1973 o Cine retorna a ser Theatro 4 de Setembro, e em novembro do mesmo ano, após abdicada a ideia de demolição, o teatro foi fechado para reforma, vindo a torna-se um dos teatros mais atualizados da época. A reforma era essencial para a modernização e higienização da cidade, tão pedida pelos cronistas locais que achavam-se envergonhados diante olhos atentos dos visitantes (NASCIMENTO, 2007).
Já nos primeiros anos do século XXI o local chegou a ser fechado pelo Ministério Público e pelo Corpo de Bombeiros, devido falhas de segurança e acessibilidade, reabrindo as portas em cinco de junho de 2011, depois dois anos e meio fechado para as adaptações (THEATRO, 2011. P. 17).
.Atualmente o 4 de Setembro ainda é a principal referência para a realização de manifestações artísticas no Piauí, ocorrendo em suas dependências apresentações nacionais e internacionais, festivais anuais de teatro e dança, shows de humor, conferências, palestras, dentre vários outros tipos de eventos.

O Theatro 4 de Setembro adentra na segunda década do século com grande importância cultural, não é somente um casarão antigo, neoclássico, imponente diante a antiga Aquidabã e indispensável para a manutenção da memória local, é essencial para compormos os testemunhos que ajudam na compreensão da história da cidade. Não passou despercebido e onipotente por seu tempo, tornou-se palco para discursos, ideários e projetos, alguns malogrados, mas nem por isso indignos de serem lembrados. Sendo assim, é leviano retratar sua história apenas através da descrição dos eventos nele ocorridos.
O local serviu como passarela para o “civilizado”, e talvez ainda sirva. Foi nas primeiras décadasdo século passado palco de segregação social, e continua separando segundo cabedal, com seus lugares com diversos preços e qualidades que atravessam toda sua história. Na contemporaneidade, produtores culturais fazem das dependências do teatro entraves para o acesso à cultura, com seus ingressos visitando diversas casas de dezenas de reais, proferindo gritos de bárbaros aos que fazem das dependências do Theatro seu campo de extravasamento social. O 4 de Setembro chega aos seus 119 anos como palco privilegiado, escola de costumes excludentes, casa de uma minoria privilegiada em detrimento a outros tantos.

REFERÊNCIAS
CAMPELO, Açí. História do Teatro Piauiense 1858-2000. COMEPI – Companhia Editorial do Piauí – Teresina, 2001. Pág. 99.
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A IMPRENSA ESCRITA DE TERESINA NAS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DE TERESINA. Pág. 87-109. In: NASCIMENTO, Francisco Alcides do; Monte, Regianny Lima (orgs.). Cidade e Memória – Teresina. PI: EDUFPI / Imperatriz. MA: Ética, 2009.
_______. Cajuína e cristalina: as transformações espaciais vistas pelos cronistas que atuaram nos jornais de Teresina entre 1950 e 1970. Revista Brasileira de História. São Paulo. ANPUH, vol. 27, n° 53, JAN. - JUN., 2007. Pág. 195-205.
QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. As diversões civilizadas em Teresina: 1880-1930. Teresina: FUNDAPI, 2008.
_______. História, literatura, sociabilidades. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998.
TITO FILHO, Arimatéia. Praça Aquidabã, sem número. Rio de Janeiro. Artenova, 1975.
THEATRO 4 de Setembro de Portas Abertas. Diário do Povo do Piauí. 6 de Julho de 2011. Ano XXIV, n° 9.015, pág. 17.
TEATRO. O Piauí. Teresina. 3 de Fevereiro de 1952, n° 756, pág. 2.




segunda-feira, 10 de junho de 2013

Andar com fé eu vou


Há anos fiz-me desertor das hostes católicas, dos que passei em batalhão de frente nunca conquistei disposição suficiente para acompanhar uma “Caminhada da Fraternidade”, evento que chega este ano a maioridade e com uma temática que me chamou a atenção: A gente bota fé na juventude.


A Igreja Católica mostra-se “antenada” com as discussões do tempo, fez o hino da campanha triunfar reinante nos quatro cantos da cidade, deixando a juventude na boca do mundo, desembocando no dia 9 de Junho de 2013 em que coligiu jovens de vario feitio. Espalhou pontos de venda de kits por toda cidade, não comprou quem não tinha ou quem não quis, com uma logística que impressiona pela eficácia, com erros que não compromete o todo, fazendo valer ressaltar uma tríade que raramente dá certo: Igreja/Estado/Iniciativa privada. No entanto, com cada um buscando sua paga, tudo correu bem.
 (Concentração da caminhada)
A concentração ocorreu no Adro da Igreja de São Benedito, templo inaugurado ainda no século XIX “pelo missionário apostólico, capuchino, Frei Serafim de Catânia, para servir de suntuoso pedestal ao querido negro da Corte Celeste” (BATISTA, 1985, pág. 179.) Em outras épocas o edifício servira de ponto de encontro para os corações teresinenses que se enamoravam, este ano deu licença para servir de ponto de partida à uma marcha pela fé, solidariedade e esperança na juventude que parece se perder.
Ainda na concentração ouvi feliz aos pedidos do padre Toni Batista, que não sujassem as ruas, pois quem ama cuida, mantém limpo; que respeitassem os passos cadenciados de quem já muito viveu ou de quem vive com alguma deficiência. Torci o nariz devido a multidão e também por ter mentalizado o longo percurso que teria de percorrer, mas este ato vil foi só um engano da mente, logo achei-me contagiado pelo clima de festa, segurei na mão de minha companheira e abri o espírito ao momento.
(Padre Toni Batista)
Após a celebração, deu-se início a caminhada, em poucos minutos a Avenida Frei Serafim que sempre está tomada por carros, abriu alas para dezenas de milhares de pessoas. Antes assim.
Logo de início percebi que tinham feito das palavras do Padre Toni Batista mais um texto em que os termos não chegam ao coração: a sujeira ia ficando para trás. Mas que não sejamos duros, Teresina é uma cidade sem lixeiras, e não são muitos que fazem suas vestimentas de tal objeto, e tem mais, juro se preciso for que as pouquíssimas que existem estavam cheias (eis um dos poucos erros logísticos).

E não só os fiéis fizeram a festa, vendedores de picolé, dindim, cremosinho, água mineral, refrigerantes, cerveja... O quê? Isso mesmo, na caminhada se viu de tudo, até quem quis juntar álcool e Deus.
Mas a caminhada foi divertida, cadenciada e animada. O sol que faz Teresina famosa pelo país fez-se apenas um detalhe, chegamos quase sem perceber ao palco montado próximo à UFPI que foi feito de ponto de chegada, ouvi não muito atento as palavras dos religiosos, que agradeceram aos que presentes fizeram-se, católicos ou não, aí me senti abraçado pelo Arcebispo de Teresina Dom Jacinto. Ouvi do jovem a frase que há anos não me invadia os ouvidos: e que o senhor vos acompanhe. Respondi como quem procura ar após uma longa corrida: amém. Apertei a mão de minha companheira, como que para conferir se o presente dos céus realmente existia. Caminhamos um pouco em silêncio, mas em minha mente uma música tão antiga quanto eu, que se não estou enganado, deve dizer assim: andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Como se chama?

Tenho certa necessidade de nomear: quando criança não tinha uma peça de minhas coleções que não possuíssem um nome, inventado, misturado ou admirado.

Mas ela, a menina que encontrei de mais perversa, trouxe-me até então a dúvida maior: como se chama?

Acontece que sempre tive uma inexplicável ciência, pouco empirista, mas legitimada na instituição doeu. Nesta, sem cálculos ou grandes teorias epistemológicas, acreditava eu perfeitamente que as coisas possuem nomes naturais, de origem celestial ou sei de onde... Estes como desconhecia, me sentia como o velho ancião que ditava nomes, mas eu não era um completo ditador, meus ditames seguiam regras: tudo deveria ter exatamente os nome que lhe convém.

Mas acontece que o dia chegou: olhou-me como quem olha sem pretensões, sorriu como quem nada queria, moveu os cabelos de forma que tenho certeza: somente eu perceberia.

Nesse dia passei por uma verdadeira cólera nominativa: como se chama? Como eu, dono dos maiores poderes moderadores existentes dentro de um império limitado por um corpo carnal, nominarei algo que não entendo? Não poderia oferecer um nome banal, desprovido de seus sentidos reais, não podia tratar um nome simplesmente como sequências sonoras, não serviria para minha necessidade.

Passei por uma longa crise existencial, aquilo que outrora me dava tanto prazer e certeza de meus poderes, não tinha controle, não sabia como titular, como dar sonância ao que me atacou de forma traiçoeira e capital, fazendo ruir os alicerces meus.

Passei então a andar por minhas ruas, que construo aos poucos desde criança, ruas estas que não tenho as melhores lembranças, e que agora, com tanta bagunça, tanta incerteza, tanto barulho, já nem mais parecem minhas.

Sem saber, cedi ao desespero como de forma alguma poderia, e nada mais pude fazer do que, humilde, implorar: o que não compreendo, que não ouso mentir e dizer que vi, o que me estremece, a incerteza que teus olhos revelam para os melhores leitores, como se chama?

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Ódios


 Interessante ler ao embalo da música “A Outra”, 
composição de Marcelo Campelo.

No entorpecimento habitual do sono conseguiu lembrar-se de poucos, porém, desses que passam numa velocidade suficiente para deixar uma marca visível, assim como quando um carro, caminhão ou moto freiam bruscamente.
Começou pelo mais recente, nada a ressaltar, quero dizer: nada a comentar sobre a ordem embriagada das lembranças.  
Lembrou que aquele era diferente, pelo menos supunha, lhe fizera chorar mais do que os outros, emagrecer muito mais que os outros, além de lhe humilhar incalculavelmente mais que os outros. É que esse foi diferente, falou em uma voz pouco compreendida pela mãe que fumava no quarto ao lado.
Tentou entender por que esse teria sido diferente, afinal, começou como os outros: sem grandes pretensões, esperanças, sentimentos ou qualquer coisa mais difícil de explicar. Mas notou que aquele ódio de início normal teria permanecido por mais tempo, teria ganhado palavras e desabafos a mais, extras, acha esse o melhor termo?
É que, pelo meu entendimento, odiou numa intensidade perigosa, daquelas que você sabe... Espero que saiba, caso contrário se perderá. Intensidade que faz tremer as pernas, respiração ofegar, que é capaz de afastar o sono na espera absurda de acordar, e essa última diferença fora exatamente a que mereceria mais cautela, pois é feito aquelas armadilhas em que não deixa nada no lugar, nada como era antes, sempre leva um pedaço ao fim de tudo.
Embalado em musicas sobre castelos que construíra em torno dos ódios para resguardá-los de todos os males, resolveu não perder tempo lembrando-se do início, ou melhor, do primeiro ódio, também acho que não compensava forçar a memória com ódio pouco, que não passou de ligações noturnas para falsos risos e elogios, sem rixas ou picuinhas, até por que, um ódio de verdade, estou falando daquele de verdade, tem de ser capaz de sobreviver a espontaneidades, e espontaneidades vemos mais claramente em rixas e picuinhas.
Resolveu lembrar-se de um que até fazia questão: questão total, falou em um riso de quem descobre o mundo. Talvez tenha sido por que esse ódio lhe mostrou o mundo, pelo menos, mundo além daquele de imaginação em que vivia, distante da prática sexual instintiva dos seres humanos.
É que esse foi bom, muito bom, lhe fazendo chegar mais tarde em casa, numa quantidade de vezes incapaz de ser lembrada, lhe fez gemer diferente, muito diferente daqueles gemidos de dores aos quais se acostumara, não que não houvesse dor nesses gemidos, mas tinha algo mais... Mas que droga, você está entendendo? É que para eu é difícil falar sobre essas coisas, me sinto como se traindo o romantismo que tanto me orgulho de possuir... Você acha que não? Bem, então, vamos seguir, ainda nesse ódio.
É que esse ódio durou bastante, teve de tudo um pouco: beijos, mordidas, gemidos, mentiras, falsos risos e elogios em conversas noturnas, e o que também acho fundamental: a espontaneidade das picuinhas e rixas. Esse deixara pelos corredores colegiais um cheiro de coisa boa, de descoberta... Até que enfim, esse é o termo exato: descoberta.
É que nesse ele descobriu que amor e sexo não são primos distantes, formam um casal quase que co-sanguíneo. Descobriu que nas tubulações que um ódio de verdade sofre, é necessário de amor, e de sexo, bem unidos, juntos, em nome da superação. Até que concordo com ele, vamos ser sinceros, não dá pra separar. Amor e sexo não cabem nas falidas díades sociais: verdade ou mentira, bom ou ruim, cristão ou pagão.
A verdade é que ele percebeu bem cedo – não pense que penso que isso é ruim - que amor não é algo completamente terno, sem beijo, desejo nem sexo, é uma mistura bem gostosa: escolha, sorte, imaginação, prosa, poesia, cristianismo, um sentimento pagão, amizade, algo divino, e animal.
 O fim foi ruim, porém, três dias de dores foram suficientes para expiar toda culpa da dor que causara, mas procure compreender a velocidade dele: é fácil superar uma perda de algo que não supomos grande quando estamos ocupando braços novos, com determinado calor em que ainda procuramos o conhecimento.
Calor bom, gostoso, que passou longe da ternura, mas acho as vezes que não chegou a ser ódio, mas, consideremos que sim, é que passou um tanto rápido, porém, foi o suficiente para deixar o que somente um ódio de verdade é capaz de deixar: um pouquinho de mágoa e um enorme sabor de quero mais.
É que esse foi leve, sem grandes preocupações com os tratados a dois, vou lhe confessar: essas partes burocráticas são muito chatas quando o que mais se quer é odiar.
E esse ódio se foi como veio, de forma leve, não tão leve a ponto de não magoar, mas o suficiente para deixar a esperança dos braços se reencontrarem, esperança de um dia voltarem a perder as pernas nas travessuras das noites eternas.
Cansado de lembrar, resolveu lembrar-se de uma balada que ouvira muito antes de deitar: Paz, eu quero paz, já me cansei de ser a última a saber de ti, se todo mundo sabe quem te faz chegar mais tarde, eu já cansei de imaginar você com ela, diz pra mim se vale a pena amor: a gente ria tanto desses nossos desencontros, mas você passou do ponto, e agora já não sei mais, eu quero paz... Quero dançar com outro par, pra variar amor.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sciencias a todos os gênero

"...Por que as escolas de sciencias devem ser igualmente comuns a todo gênero de pessoas sem excepção alguma", belas palavras, porém, se desmancham no ar ao sabermos que o pronunciante estaria em época moderna (1686).
Palavras destinadas a um representante português, de um tal d'El-Rei, um explorador e escravocrata que em 1686 destinava  obrigatoriedade dos Jesuítas aceitarem os pardos em suas escolas.
Infelizmente, a palavra do d'El-Rey Pedro, não se fez valer, nem em seu reinado, muito menos em épocas posteriores, em que a grande maioria da população foi excluída das "sciencias".
É destinado, atualmente, à maioria dos brasileiros um ensino miserável, como diria Alcides Nascimento, professor de história do Piauí da UFPI, um ensino "sem vergonha" por parte do poder público.
A educação básica e pública é péssima, a secular desonesta, e a superior dificilmente alcançável por despossuidores de um extenso cabedal.
A constituição é rasgada, assim como os direitos humanos, da criança ou adolescente, do HOMEM que é CIDADÃO.
Infelizmente, as vezes encontro-me a concordar com Gilberto Freyre, falecido e renomado sociólogo brasileiro: quando as leis brasileiras foram promulgadas para serem seguidas a risca?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Aliás, Os Sentimentos Não Suportam A Feiúra

Certo dia ao me olhar no espelho, notei como estava feio, não de aparência, feio pela ausência de sentimentos, como um homem que não ama. Talvez nunca tenha amado, amado realmente, de verdade, amor daqueles enlouquecedores, que nos faz enfrentar tudo, do pequeno ao grande, do possível ao impossível, fugindo desta díade, daqueles amores que fogem da banalidade.

Ao olhar ao fundo, pelo espelho, notei que algo restava e que não tinha notado, era os restos do meu “ser”, que não conseguiram destruir, quem tentou? Talvez as dores, os anjos decaídos, ou eu mesmo, com minha freqüente e mentirosa onipotência, acreditando que os sentimentos eram meus, não aceitando minha condição humana, que não me permitia enxergar a presença temporária deles.

Meu defeito maior talvez tenha sido a certeza, de que posso, consigo, sou capaz... Amo.

Minhas decepções de pré-adolescência não foram suficientes para privar-me do orgulho, algumas conquistas me levaram a certeza de que conquisto, quando quiser e, quem quiser. Pensamento irônico para quem sempre foi um derrotado.

Lembro-me de Ana, uma moça que conheci na escola, nossa, como o nome da pioneira em semear falsos sentimentos em mim, rimava: teus lábios são labirintos, Ana, que atraem meus extintos mais sacanas. Extintos nunca saciados.

Houve outras, mas nenhuma me fez tão feliz como ele, um dragão de três cabeças, de início não entendia por que ela não saia de meu quintal, ao enfrentar um de meus inimigos, ao perguntarem se aquele era meu dragão, respondi rapidamente: ninguém pode ser de ninguém, somos companheiros.

Hoje percebo meu erro, com os sentimentos, e com meu companheiro de duelos quixotescos, meus moinhos sumiram com a aproximação das paredes, que se aproximavam com a idade que avançava, os dragões e os sentimentos, somente são notados em estágio natural por crianças. Os sentimentos se perdiam com a falta de estímulo, meu, e em menor escala de outras pessoas.

E como sofri com a perda dos dois, como me senti solitário e tentei simplesmente seguir em frente. Eis mais um ato em vão, a paz prometida nunca foi entendida por mim, até por que os sentimentos não querem ser entendidos, simplesmente querem ser sentidos.

Caio Fernando Abreu explicou-me muitos anos depois: Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. E como esteve vazia, e como está agora com a perca do afeto.

Os sentimentos são dragões, desses que não suportam a feiúra da alma, do mundo, da crença no que se ver. Muito unido ao que via, esqueci de povoar o que estava encravado em mim, o que um dia foi felicidade. Aliás, os dragões odeiam a feiúra.