A cidade de Teresina
nasceu em meados do século XIX para servir de sede para o governo da Província
do Piauí, sua construção em si era um espetáculo ousado e arriscado. Com as
repartições públicas e seus funcionários estrearam na nova capital as primeiras
ousadias artísticas, sendo fomentadas principalmente pela “elite”, com raras
exceções.
Já nos fins da década de
1880 era frequente a prática do teatro e manifestações culturais em casas particulares,
observando-se a existência de dois teatros: 24
de Janeiro e Concórdia. Porém, a
existência desses parecia não suprir os anseios sociais, levando a pressões pela
construção de um teatro público (QUEIROZ, 2008. P. 20).
Diante tais reações, em idos
de 4 de setembro de 1889 um grupo de senhoras dirigiu-se ao Palácio de Governo
para reivindicarem a utilização das verbas de socorros públicos na construção
de um novo teatro para Teresina. Com a exigência acatada, a escolha do local tornou-se
o problema da vez: uma parcela da sociedade defendia a edificação próxima a
praça central – atual praça da bandeira – e outros querendo a “casa do capeta”
distante da Igreja de Nossa Senhora do Amparo.
Apesar dos embates, o
lançamento da pedra fundamental foi badalado, sendo destacada na imprensa a
edificação que ocorreria diante a Praça de Aquidabã – atual Pedro II - como a
aproximação do progresso e da civilização. Em mesma solenidade Ildefonso de
Sousa Lima discursou, evidenciando a função social do teatro deveria ter:
“Um importantíssimo fato vem encher de júbilo os
corações piauienses (...)
Trata-se, senhores (...) a construção de um teatro (...)
O que é, porém, o teatro? É, disse-o alguém, uma grande escola que castiga o
vício (...) é a grande escola que institui, que aperfeiçoa os costumes, que
edifica pelo exemplo, que corrige os desvios da educação. (...) Queremos,
portanto, senhores, o teatro, mas o teatro edificante, o teatro onde se combata
o vício, se arraigue e exalte a virtude (...) a aversão ao vício, ao crime, a
moral pura e sã como a pregou a grande vítima do Gólgota.Eis os meus votos.”
(LIMA apud TITO FILHO, 1975. P.
32-35)
Pelas propostas de
Ildefonso Lima, legítimo representante de uma parcela da elite, o teatro deveria
ser uma escola combativa, em que nele somente se interpretasse os preceitos da
moral, assim aperfeiçoando costumes de desviados e incivilizados. Com sua
inauguração, em 21 de Abril do ano de 1894, tornou-se vitrine para os hábitos aceitos e prescritos pelos
redatores dos jornais de fins do século XIX e início do XX. Como símbolo dessa civilização e desse
progresso do qual a cidade aproximava-se, os frequentadores do espaço deveriam
saber se comportar, manterem distanciamento social, serem civilizados, saberem
bater palmas na devida hora, pois aplaudir era mais que um feche, era uma arte
(QUEIROZ, 1998. P. 19).
O Theatro recebera em
suas primeiras décadas diversos grupos artísticos do mundo, lutas de boxe,
conferências literárias e políticas, solenidades públicas e a chegada da
modernizada, esta materializada nas primeiras projeções de imagens. Na década
de 1930, depois de anos de encantamentos que o cinema provocou na sociedade, o
local foi arrendado e transformado em Cine-Theatro 4 de Setembro.
O local é uma
“testemunha” histórica para os que se voltam para o passado, tomemos como
exemplo os meados do século XX, quando eram frequentes as críticas em relação às
diversões existentes em Teresina, com os jornalistas não poupando críticas ao único
teatro da cidade. Paschoal Carlos Magno, criador do Teatro dos Estudantes do
Brasil, durante visita a Teresina, apresentou peças com seu grupo no teatro
(TEATRO, 1952. P. 02) e assim adjetivou-o em fevereiro de 1952: parecia um
estábulo, com buracos, um inferno.
Mudanças ocorreram em
meados do mesmo ano, com uma pequena reforma: mudança do forro, portas,
sanitários, e retirada dos camarotes que existiam no segundo piso (CAMPELO,
2001. P. 99). Pequenas mudanças que segundo Açí Campelo ocorreram devido a
necessidade de o local acolher uma parte das comemorações do centenário da
capital, porém, não podemos atribuir-la simplesmente a tal precisão de abrigo.
A reforma ocorrida não
pode ser explicada de forma simplória, devemos enxergá-la nesse âmago dos anseios
sociais. Esses reclames sociais pregavam a necessidade de um teatro e uma
cidade moderna, educada e higienizada, como destaca Alcides do Nascimento (NASCIMENTO,
2009). A reforma teria sido antes de qualquer coisa, uma resposta para essas
críticas.
Já durante o mandato de Alberto
Silva (1971-1975) fora proposto a derrubada do velho casarão da Praça de Aquidabã
e a construção, no mesmo local de um teatro novo e moderno. Mas em 1973 o Cine
retorna a ser Theatro 4 de Setembro, e em novembro do mesmo ano, após abdicada
a ideia de demolição, o teatro foi fechado para reforma, vindo a torna-se um
dos teatros mais atualizados da época. A reforma era essencial para a
modernização e higienização da cidade, tão pedida pelos cronistas locais que
achavam-se envergonhados diante olhos atentos dos visitantes (NASCIMENTO, 2007).
Já nos primeiros anos do
século XXI o local chegou a ser fechado pelo Ministério Público e pelo Corpo de
Bombeiros, devido falhas de segurança e acessibilidade, reabrindo as portas em
cinco de junho de 2011, depois dois anos e meio fechado para as adaptações (THEATRO,
2011. P. 17).
.Atualmente o 4 de
Setembro ainda é a principal referência para a realização de manifestações
artísticas no Piauí, ocorrendo em suas dependências apresentações nacionais e
internacionais, festivais anuais de teatro e dança, shows de humor, conferências,
palestras, dentre vários outros tipos de eventos.
O Theatro 4 de Setembro adentra
na segunda década do século com grande importância cultural, não é somente um casarão
antigo, neoclássico, imponente diante a antiga Aquidabã e indispensável para a
manutenção da memória local, é essencial para compormos os testemunhos que
ajudam na compreensão da história da cidade. Não passou despercebido e
onipotente por seu tempo, tornou-se palco para discursos, ideários e projetos, alguns
malogrados, mas nem por isso indignos de serem lembrados. Sendo assim, é
leviano retratar sua história apenas através da descrição dos eventos nele
ocorridos.
O local serviu como passarela
para o “civilizado”, e talvez ainda sirva. Foi nas primeiras décadasdo século passado palco de
segregação social, e continua separando segundo cabedal, com seus
lugares com diversos preços e qualidades que atravessam toda sua história. Na contemporaneidade,
produtores culturais fazem das dependências do teatro entraves para o acesso à
cultura, com seus ingressos visitando diversas casas de dezenas de reais,
proferindo gritos de bárbaros aos que fazem das dependências do Theatro seu campo
de extravasamento social. O 4 de Setembro chega aos seus 119 anos como palco
privilegiado, escola de costumes excludentes, casa de uma minoria privilegiada
em detrimento a outros tantos.
REFERÊNCIAS
CAMPELO, Açí. História do Teatro
Piauiense 1858-2000. COMEPI – Companhia Editorial do Piauí – Teresina, 2001.
Pág. 99.
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A
IMPRENSA ESCRITA DE TERESINA NAS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DE TERESINA. Pág.
87-109. In: NASCIMENTO, Francisco Alcides do; Monte, Regianny Lima (orgs.).
Cidade e Memória – Teresina. PI: EDUFPI / Imperatriz. MA: Ética, 2009.
_______. Cajuína e cristalina: as transformações
espaciais vistas pelos cronistas que atuaram nos jornais de Teresina entre 1950
e 1970. Revista Brasileira de História. São Paulo. ANPUH, vol. 27, n° 53, JAN.
- JUN., 2007. Pág. 195-205.
QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita.
As diversões civilizadas em Teresina: 1880-1930. Teresina: FUNDAPI, 2008.
_______. História,
literatura, sociabilidades. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998.
TITO FILHO, Arimatéia. Praça
Aquidabã, sem número. Rio de Janeiro. Artenova, 1975.
THEATRO
4 de Setembro de Portas Abertas. Diário do Povo do Piauí. 6 de Julho de 2011.
Ano XXIV, n° 9.015, pág. 17.
TEATRO.
O Piauí. Teresina. 3 de Fevereiro de 1952, n° 756, pág. 2.
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