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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Aliás, Os Sentimentos Não Suportam A Feiúra

Certo dia ao me olhar no espelho, notei como estava feio, não de aparência, feio pela ausência de sentimentos, como um homem que não ama. Talvez nunca tenha amado, amado realmente, de verdade, amor daqueles enlouquecedores, que nos faz enfrentar tudo, do pequeno ao grande, do possível ao impossível, fugindo desta díade, daqueles amores que fogem da banalidade.

Ao olhar ao fundo, pelo espelho, notei que algo restava e que não tinha notado, era os restos do meu “ser”, que não conseguiram destruir, quem tentou? Talvez as dores, os anjos decaídos, ou eu mesmo, com minha freqüente e mentirosa onipotência, acreditando que os sentimentos eram meus, não aceitando minha condição humana, que não me permitia enxergar a presença temporária deles.

Meu defeito maior talvez tenha sido a certeza, de que posso, consigo, sou capaz... Amo.

Minhas decepções de pré-adolescência não foram suficientes para privar-me do orgulho, algumas conquistas me levaram a certeza de que conquisto, quando quiser e, quem quiser. Pensamento irônico para quem sempre foi um derrotado.

Lembro-me de Ana, uma moça que conheci na escola, nossa, como o nome da pioneira em semear falsos sentimentos em mim, rimava: teus lábios são labirintos, Ana, que atraem meus extintos mais sacanas. Extintos nunca saciados.

Houve outras, mas nenhuma me fez tão feliz como ele, um dragão de três cabeças, de início não entendia por que ela não saia de meu quintal, ao enfrentar um de meus inimigos, ao perguntarem se aquele era meu dragão, respondi rapidamente: ninguém pode ser de ninguém, somos companheiros.

Hoje percebo meu erro, com os sentimentos, e com meu companheiro de duelos quixotescos, meus moinhos sumiram com a aproximação das paredes, que se aproximavam com a idade que avançava, os dragões e os sentimentos, somente são notados em estágio natural por crianças. Os sentimentos se perdiam com a falta de estímulo, meu, e em menor escala de outras pessoas.

E como sofri com a perda dos dois, como me senti solitário e tentei simplesmente seguir em frente. Eis mais um ato em vão, a paz prometida nunca foi entendida por mim, até por que os sentimentos não querem ser entendidos, simplesmente querem ser sentidos.

Caio Fernando Abreu explicou-me muitos anos depois: Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. E como esteve vazia, e como está agora com a perca do afeto.

Os sentimentos são dragões, desses que não suportam a feiúra da alma, do mundo, da crença no que se ver. Muito unido ao que via, esqueci de povoar o que estava encravado em mim, o que um dia foi felicidade. Aliás, os dragões odeiam a feiúra.

sábado, 11 de junho de 2011

Barbarizarão do Lugar de Vivência

    
Lembro-me de minha primeira viagem desacompanhado de meus “responsáveis”, estava fascinado, com dentes aos lábios assim como o admirável e inteligente guia, conhecedor de geografia e história. Estava incansável e prestativo, aberto a encher-me de ilusões.  
        Apresentaram-nos o que vemos normalmente em qualquer cidade colonial, belas igrejas diante a uma praça, com os restos de um pelourinho mostrando os resquícios da exploração lusa.  
        O guia provavelmente não se cansou, o museu, igreja principal, cine, feira (quase inexistente) estavam ao redor da praça, mesmo se houvesse esforço físico, não tiraria a disponibilidade e gentileza comprada em pacote, acompanhadas por alguns conhecimentos específicos.
        Tinha aproximadamente uns 11 anos, com discernimento, mas não o suficiente para livrar-me do belo que saltava aos olhos. Mostraram e gostei do que vi, porém, camuflaram o que mais interessa, o primeiro sopro de vida de um ser, humano ou não, o que instiga nosso movimento, a fome.
        Tornaram-me passivo diante a uma conspiração, não diabólica, mas capitalista, meus olhos brilharam ao contemplar um outdoor colonial, arquitetura morta, moldada com sentimentos superficiais, deixaram-me amorfo, admirando uma cultura inexistente, um não-lugar, sem identidade.
        Na rota do ônibus confortado, afastaram a pobreza, a miséria, o INDESEJADO. Excluíram o feio que não agrada a olhos abastados e meramente curiosos, que procuram o pitoresco de uma “civilização” remota, com aparência de novo e cheiro de povoamento, semeações de idéias que exigem sensibilidade para o conhecimento, porém, a indústria do turismo não leva ao conhecimento, somente ao reconhecimento que não agrega, segrega valores (R$), separa o belo do feio, o grande do pequeno... posiciona o interesse no lugar da vivência, da essência humana.